O estado da arte aponta para o predomínio da expressão "discriminação múltipla" diante da discriminação motivada por mais de um critério proibido. Como refere Dagmar Schiek (Comissão Europeia, 2009, p. 4), as organizações internacionais e organizações europeias de proteção de direitos humanos utilizam o conceito de discriminação múltipla em uma perspetiva abrangente (na mesma linha, Makkonen, 2002, p. 10). Discriminação múltipla é considerado, assim, um conceito "guarda-chuva" dentro do cenário mundial de proteção dos direitos humanos (Comissão Europeia, 2007, p. 11).
O debate europeu produziu, a partir do conceito mais amplo de discriminação múltipla, conceitos cuja compreensão aponta para perspetivas diversas (Comissão Europeia, 2009, p. 3). Ao passo que a discriminação aditiva e a discriminação composta atrelam-se a uma perspetiva quantitativa (onde a discriminação em causa é considerada a soma de discriminações diversas), a discriminação interseccional vincula-se a uma perspetiva qualitativa (na qual o fenômeno discriminatório é percebido como uma nova e específica forma de discriminação, distinta da mera adição de critérios).
Discriminação múltipla em perspetiva quantitativa: discriminação aditiva e discriminação composta
Quando se trata discriminação múltipla em perspetiva quantitativa, lança-se mão dos conceitos de discriminação aditiva e de discriminação composta (Moon, 2009, p. 7), em contraposição à perceção de que a presença de mais de um motivo de discriminação resulta em uma situação diversa e inconfundível com a mera soma dos fatores (Bamforth, Malik e O'Cinneide, 2008, p. 518).
Nesse quadro, discriminação aditiva ocorre quando alguém é discriminado com base em diversos critérios proibidos de discriminação e em momentos diferentes (Makkonen, 2002, p. 10). A situação de uma mulher portadora de deficiência, que sofre discriminação por motivo de sexo em seu local de trabalho e não tem a oportunidade de ser promovida exemplifica esta modalidade de discriminação. Em outro momento, a mesma mulher portadora de deficiência sofre discriminação por ser deficiente ao não lhe dar oportunidade, o acesso a um prédio público com cadeira de rodas (Makkonen, 2002, p. 10). Nesse exemplo, podemos ver que há a adição de critérios proibidos de discriminação, observados em situações distintas. Outra hipótese se dá quando uma mulher pertencente a uma minoria étnica sofre, em situações separadas, discriminação por motivo de sexo e discriminação por motivo de etnia (Comissão Europeia, 2007, p. 16).
Como na discriminação aditiva, a discriminação composta pressupõe o somatório de critérios proibidos de discriminação, num sentido quantitativo. O que distingue a discriminação composta da discriminação aditiva é a concomitância de fatores em uma mesma situação. Assim, há determinados trabalhos somente disponíveis para homens ou para imigrantes, acarretando discriminação composta em prejuízo de mulheres imigrantes (Makkonen, 2002, p. 11). A seleção de emprego, ao prever o atendimento de determinadas exigências, produz violações a critérios proibidos de discriminação, somados, identificáveis isoladamente e em uma mesma situação (Comissão Europeia, 2007, p. 16).
Discriminação múltipla em perspetiva qualitativa: discriminação interseccional.
Discriminação interseccional, como visto, é um conceito que surgiu da perceção da discriminação sofrida por mulheres negras em contraste com a vivida por mulheres brancas, para cuja análise não se presta a invocação abstrata da proibição de discriminação por sexo. Designada, sob o conceito amplo de discriminação múltipla, faz-se necessário distinguir, no interior do conceito jurídico, a perspetiva quantitativa (discriminação aditiva e composta) da perspetiva qualitativa (discriminação interseccional). Nesse contexto, utiliza-se a expressão "discriminação interseccional" como categoria jurídica que se refere à compreensão da discriminação múltipla como fenômeno original, irredutível e inassimilável ao somatório de diversos critérios proibidos de discriminação, sejam estes simultâneos ou não.
A discriminação interseccional ocorre quando dois ou mais critérios proibidos interagem, sem que haja possibilidade de decomposição deles (Comissão Europeia, 2007). A discriminação interseccional implica uma análise contextualizada, dinâmica e estrutural, a partir de mais de um critério proibido de discriminação. Por exemplo, uma mulher pertencente a certa minoria está sujeita a estigmas diversos daqueles experimentados por homens pertencentes ao mesmo grupo (Makkonen, 2002, p. 11). A discriminação baseada em mais de um critério deve ser vista, nessas situações, sob a perspectiva qualitativa e considerando as experiências específicas do grupo subordinado, não de forma meramente quantitativa (Crenshaw, 2002, p. 174).
Assim, a discriminação interseccional fornece ferramentas para a identificação de estruturas de subordinação que ocasionam determinadas invisibilidades perpetuadoras de injustiças. Por exemplo, em um caso de discriminação contra a mulher, a perceção pode ser reduzida meramente ao critério sexual, ficando invisível o contexto racial. A interseccionalidade permite visualizar não só o aspeto imediato, mas também que certos contextos nada têm de neutro ou natural, ainda que cotidianos.
Assentados esses conceitos, examinam-se a abertura e a presença da discriminação múltipla nos instrumentos legislativos mais relevantes, sem o que o enfrentamento da discriminação fosse comprometido.
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