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Interseccionalidade



O termo interseccionalidade nos permite compreender melhor as desigualdades e a sobreposição de opressões e discriminações existentes em nossa sociedade. Pode ser considerado como uma ferramenta analítica importante para pensarmos sobre as relações sociais de raça, sexo e classe, e os desafios para a adoção de políticas públicas eficazes.

Se interessou pelo assunto? Vem aprender sobre interseccionalidade com a gente.


Sobre o conceito

O termo interseccionalidade é um conceito sociológico preocupado com as interações e marcadores sociais nas vidas das minorias.

Através dele é possível enxergar que em nossa sociedade existem vários sistemas de opressão – as de raça ou etnia, classe social, capacidade física, localização geográfica, entre outras-, que relacionam-se entre si, se sobrepõem e demonstram que o racismo, o sexismo e as estruturas patriarcais são inseparáveis e tendem a discriminar e excluir indivíduos ou grupos de diferentes formas.


Para entendermos como esses sistemas de opressão têm impactos diferentes em diferentes pessoas, precisamos lembrar que existem naturalmente diversas diferenças de gênero, cor da pele, idade, altura etc entre nós. Mas muitos indivíduos ou grupos, apenas por pertencerem a essas “categorias”, são submetidos a uma série de discriminações, preconceitos e opressões, como de classe, de gênero, de geração, de raça/etnia e de orientação sexual.


Inicialmente o conceito debruçou-se principalmente em relação ao impacto desses sistemas de opressão sobre as mulheres negras. E graças as lutas, discussões e ativismos feministas sobre o assunto, o conceito tornou-se importantíssimo para as ciências sociais no geral.


Os debates sobre interseccionalidade surgiram a partir das lutas e teorizações dos movimentos feministas negros nos Estados Unidos e no Reino Unido entre os anos 1970 e 1980. Assim, o movimento conhecido como Black Feminism foi extremamente produtivo no que diz respeito a produção acadêmica e desenvolvimento das teorias feministas. Graças à entrada em maior número dessas mulheres no meio acadêmico, foi possível atingir um desenvolvimento sociológico do pensamento das mulheres negras naquele momento.

Entretanto, foi somente em 1989 que o termo foi de fato sistematizado por Kimberlé Crenshaw, teórica feminista e professora estadunidense especializa em questões de raça e gênero.



Discriminação interseccional nos sistemas universal e regional de direitos humanos

A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, desenvolveu-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Com isso, houve um processo de universalização dos direitos humanos em um sistema integrado de tratados e convenções internacionais. Esse sistema é conhecido como sistema universal ou global, cujo órgão representativo é a ONU. Ao seu lado, surgem os sistemas regionais de proteção, com o objetivo de concretizar os direitos humanos nos respetivos planos regionais, por exemplo: os sistemas regionais da Europa, Américas e África (Piovesan, 2011, p. 41-2).


A perceção da interseccionalidade da discriminação e a necessidade de prover respostas jurídicas ensejaram o desafio de formular uma legislação internacional de direitos humanos adequada, objetivando combater tal injustiça.

No sistema universal, registrou-se preocupação com a discriminação múltipla na Conferência Mundial sobre Mulheres Presas (Nações Unidas, 1995). Naquela oportunidade, os instrumentos internacionais deram um passo para o reconhecimento da discriminação múltipla ao atentarem para fatores como idade, deficiência, posições socioeconômicas, pertencimento a grupo étnico ou racial.


Nessa linha, afirmou-se a noção das "múltiplas barreiras" sofridas pelas mulheres:

[...] intensificar os esforços para garantir o exercício, igual de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as mulheres e meninas que enfrentam múltiplas barreiras para seu fortalecimento e o avanço por causa de fatores como raça, idade, idioma, etnia, religião, cultura ou deficiência ou porque são os povos indígenas (Nações Unidas, 1995).


Outra manifestação no sistema universal de proteção aos direitos humanos se deu na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância (Nações Unidas, 2001). Ali consolidou-se a previsão sobre as múltiplas ou agravadas formas de discriminação.

Reconhecemos que o racismo, a discriminação racial, xenofobia e intolerância correlatas ocorrem por motivos de raça, cor, descendência ou origem étnica ou nacional, e que as vítimas podem sofrer múltiplas ou agravadas formas de discriminação baseadas em outros motivos correlatos como sexo, língua, religião, opinião política ou outra opinião, origem social, econômica, de nascimento ou outro status (Nações Unidas, 2001; tradução dos autores).


No ano de 2006, o sistema universal trouxe outra importante referência à discriminação múltipla, dessa vez na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nações Unidas, 2006). Mencionaram-se formas múltiplas e agravadas de discriminação, sofridas pelas mulheres e meninas deficientes:


PREÂMBULO [...] p) Preocupados com as difíceis situações enfrentadas por pessoas com deficiência que estão sujeitas a formas múltiplas ou agravadas de discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, origem nacional, étnica, nativa ou social, econômica, nascimento, idade ou outra condição; [...] Mulheres com deficiência 1. Os Estados-membros reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação e, portanto, tomarão medidas para assegurar-lhes o pleno e igual exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (Nações Unidas, 2006; tradução dos autores).

No sistema regional europeu, iniciou-se o debate sobre a discriminação múltipla no ano de 2000. Através das Diretivas 2000/43/EC e 2000/78/EC, ambas do Conselho da União Europeia 2000a, (Conselho da União Europeia 2000b), que tratam, respetivamente, da aplicação do princípio da igualdade em casos de raça e origem étnica e igual tratamento nos casos de relações empregatícias, tratou-se de discriminação múltipla (Comissão Europeia, 2009, p. 9).


Em 2009, o Parlamento Europeu efetuou algumas emendas nessas Diretivas, reafirmado a necessidade de políticas de combate à discriminação múltipla (Comissão Europeia, 2009, p. 9), e deixando claro o alinhamento à conceituação referida, sem se atentar para a discriminação interseccional. Ficou evidenciada a tendência de simples adição de critérios proibidos de discriminação em análise, de modo quantitativo. Não houve uma visão qualitativa e contextual, como proposto pelo conceito de discriminação interseccional (Comissão Europeia, 2009, p. 10). Em um estudo realizado acerca de qual o tratamento dado pelas legislações dos Estados-membros da União Europeia ao tema da discriminação múltipla, constatou-se haver diferentes abordagens e até mesmo nenhuma menção ao assunto em alguns deles (Comissão Europeia, 2009, p. 17).


Tanto no sistema universal quanto no sistema regional europeu, a discriminação múltipla tem entrado na pauta de maneira lenta. Além disso, as referências normativas têm mencionado a discriminação múltipla, sem adentrar na diversidade de compreensões (interseccional, aditiva e composta).

No sistema regional interamericano, destaca-se o Pacto de San Jose da Costa Rica (OEA, 1969), onde se menciona, em diversos momentos, a proibição de discriminação acrescida de uma lista de critérios proibidos (Art. 1º, item 1, Art. 13, item 5, Art. 17, item 2, Art. 24 e Art. 27, item 1)1. Contudo, não há alusão, em momento algum, sobre a discriminação múltipla, a discriminação aditiva ou composta ou a discriminação interseccional. Constatação idêntica ocorre no Protocolo de San Salvador (OEA, 1988), no qual há a obrigação de não discriminação, sem referência à discriminação interseccional.


Ainda no âmbito do sistema regional interamericano, é importante destacar a recente aprovação da Convenção Interamericana contra o Racismo e toda a Forma de Discriminação e Intolerância e a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, aprovadas em 2013. Nelas, há expressas referências à discriminação múltipla (Art. 1º, item 3, de ambas Convenções, nos seguintes termos:

Artigo 1 - Para os efeitos desta Convenção: [...] 3. Discriminação múltipla ou agravada é qualquer preferência, distinção, exclusão ou restrição baseada, de modo concomitante, em dois ou mais dos critérios dispostos no Artigo 1.1, ou outros reconhecidos em instrumentos internacionais, cujo objetivo ou resultado seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes, em qualquer área da vida pública ou privada (OEA, 2013a, OEA, 2013b).


Esse panorama normativo revela o tratamento da discriminação interseccional nos sistemas global e regionais de proteção de direitos humanos. Há inclusão normativa a partir do conceito de discriminação múltipla, com teor mais quantitativo, sem referência expressa à noção de discriminação interseccional.

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